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Direito da moda: entrevista com Eleonora Carrillo


A advogada Eleonora Carrillo, especialista em propriedade intelectual


Entrevista realizada com Eleonora Carrillo Alamanni

Diretora Administrativa da Jacobacci & Partners (Espanha)


A entrevista a seguir foi realizada em 24.08.2020 para a Revista Unsatisfashion número 2, que tem como tema central a questão da originalidade.


Quem é nossa entrevistada?

Eleonora Carrillo graduou-se em direito pela Università di Torino (Itália) com título homologado pela Universidad de Castilla – La Mancha (Espanha). Em 2006 juntou-se à Jacobacci & Partners e desde 2011 tornou-se responsável nacional e internacional pelas questões de trademark no escritório de Madri. Ela é a fundadora do LATAM Desk que responde à expansão do grupo Jacobacci na América Latina. Este desk dá assistência especializada para a área de propriedade intelectual para clientes que possuem negócios na América Latina. Contato: ecarrillo@jacobacci.com

Unsatisfashion: Qual seria (em particular para a legislação europeia ou espanhola), a diferença entre proteger um design ou criação de moda ou proteger uma marca?

Eleonora Carrillo: Ao registrar um desenho, fica protegida a aparência total ou parcial de um produto, que deriva das características especiais, em particular, da linha, configuração, cor, forma, textura ou material do próprio produto ou de sua decoração. Os desenhos industriais são essencialmente de natureza estética e são aplicados a uma ampla variedade de produtos industriais e artesanais.

A marca registrada é um sinal distintivo usado nas relações comerciais para identificar produtos ou serviços. A marca é o símbolo por meio do qual os clientes escolhem uma empresa em detrimento de outra e também que distingue uma empresa da concorrência. Em resumo, a diferença entre um design e uma marca é que o primeiro protege e especifica a aparência de um produto, enquanto a marca é um instrumento para indicar a origem dos produtos (ou serviços) para os consumidores.

Unsatisfashion: As leis de proteção de designs ou marcas de moda baseiam-se mais na proteção de uma empresa comercial ou mais na proteção de um patrimônio cultural?

Eleonora Carrillo: Tanto os desenhos como as marcas são direitos de propriedade industrial, que protege as criações com utilidade industrial e são constituídas após o registro legal correspondente.

Para fins de proteção de um negócio comercial, os desenhos e marcas serão os principais instrumentos dos direitos de propriedade industrial. Estes têm se tornado cada vez mais importantes na economia moderna, pois, por meio de sua proteção, oferecem às empresas uma forte vantagem competitiva.

Quanto à proteção de um patrimônio cultural, esta será garantida principalmente pelos direitos de propriedade intelectual (direitos autorais ou copyright), que inclui aquelas criações nas quais a personalidade do autor se expressa e não podem ser produzidas, de maneira industrial ou em série. A propriedade intelectual inclui o conjunto de direitos que correspondem aos autores e outros proprietários (artistas, produtores etc.) com respeito às obras e performances únicas e o resultado de sua criação. Inclui, entre outros, obras artísticas, projetos arquitetônicos, esculturas, pinturas e fotografias.

Unsatisfashion: A lei e a legislação (europeia ou espanhola) atuam quando você se sente prejudicado por alguém que rouba uma ideia ou a legislação ou você tem que fazer alguma coisa antes que isso aconteça?

Eleonora Carrillo: O sistema de regulação espanhol e da União Europeia oferece mecanismos para prevenir a possível usurpação ou violação dos direitos de propriedade industrial e intelectual por terceiros, bem como o uso indevido e os danos que pode causar o uso não autorizado de uma marca reconhecida por terceiros.

Em particular, é possível apresentar queixas formais perante o tribunal correspondente contra terceiros que solicitem o registro de marcas ou desenhos idênticos ou semelhantes à sua marca ou desenho anterior. Desta forma, caso você possua um direito exclusivo devidamente protegido, poderá evitar que terceiros obtenham o registro de marcas ou desenhos que se pareçam com os seus e causem riscos de confusão ou associação no público consumidor. Em resumo, que clientes, consumidores ou usuários confundam a marca ou design de terceiros com o seu ao acreditar erroneamente que estejam relacionados à sua empresa.

Além disso, é possível apresentar ações judiciais ou administrativas contra marcas ou desenhos já registrados ilegitimamente por terceiros e que se confundam com seu direito anterior, obtendo o cancelamento do registro ou a proibição de seu uso no mercado por supor uma violação de sua marca ou design.

Por outro lado, também é possível prevenir possíveis conflitos com marcas e designs de terceiros, realizando estudos preliminares com a ajuda de profissionais especialistas na área da propriedade industrial, antes de lançar um produto no mercado ou iniciar um projeto empresarial. Especificamente, recomenda-se a realização de buscas nos registros para detectar possíveis marcas semelhantes existentes que tenham outros titulares e confirmar a viabilidade ou inviabilidade de registro e utilização de uma nova marca sem conflito com direitos de terceiros.

Unsatisfashion: Com tanta circulação de imagens, é quase impossível controlar ou saber se estamos sendo copiados em algum lugar do mundo. Qual é o futuro desse tipo de legislação e para onde vamos?

Eleonora Carrillo: O avanço tecnológico, a inovação e, em particular, o uso crescente da Internet têm beneficiado a intensidade e extensão da globalização, mas, por outro lado, têm tido um impacto negativo em termos do aumento de falsificações por meio da Internet.

O surgimento da Internet teve uma importância extraordinária em todas as áreas da vida e do comércio, mas no mundo da moda é especialmente significativo. Em primeiro lugar, a Internet trouxe uma verdadeira globalização comercial. A possibilidade de comprar online revolucionou completamente os hábitos comerciais e até os hábitos sociais a eles ligados. Por um lado, aumentou a capacidade das grandes empresas de expandir suas vendas, mas também permitiu que criadores e inovadores individuais acessassem mercados e públicos antes inalcançáveis. Qualquer um hoje pode, gratuitamente, exibir seus produtos ao redor do mundo por meio de um site. Qualquer pessoa hoje pode comprar esses produtos em qualquer lugar do mundo, procurando os locais onde haja menores custos de produção. Isso tem causado uma enorme expansão de produtos baratos, como os chamados outlets, e, como efeito inverso, tem aumentado a necessidade de diferenciação de produtores e criadores que realmente inovam e lideram o mundo da moda e não querem ou não podem competir em preços, mas sim em qualidade e originalidade.

Pensemos na enorme importância dos mecanismos de proteção da propriedade industrial nesta matéria e em tal cenário, como o registro de marcas e desenhos ou a proteção aduaneira contra a importação massiva de cópias e imitações de baixo preço em enorme expansão, provocadas em grande parte, como decorrência do crescimento exagerado do mercado ocasionado pela internet.

Por outro lado, uma definição básica do que é moda, segundo a Real Academia Española: o gosto coletivo e mutante em relação às roupas e acessórios.

E como essa mudança constante de gosto coletivo se dá nesses elementos básicos da aparência pessoal, como o vestir e seus acessórios? Principalmente por meio da influência de algumas pessoas sobre outras.

E, se levarmos em conta como a Internet afeta basicamente a capacidade de interação das pessoas, tanto entre elas, como entre elas e os agentes comerciais e entre os criadores entre si ou entre eles e o público ... veremos que as possibilidades, os meios, as formas dessa "influência" se multiplicaram aos milhões.

Assim, vemos como no cerne da criatividade, de onde surge o movimento constante da moda, a Internet tem feito uma verdadeira revolução. Formadores de opinião espontâneos, blogueiros de moda etc. revolucionaram completamente o esquema das pessoas que anteriormente marcavam e "certificavam" ou mesmo impunham artificialmente as tendências. Antes da entrada da Internet, as tendências iam evoluindo de forma mais bem controlada pelos grandes operadores do mercado e agora, fora de seu monopólio, mudam em uma grande velocidade. Blogueiras, instagramers, influenciadores etc. hoje são is que definem tendências e se relacionam com as grandes marcas e o público consumidor, colaborando para que o mundo da moda se desenvolva e mude de forma vertiginosa, nunca antes vista.

E, nesse ponto, temos que repetir o mesmo que dissemos anteriormente a respeito das vendas online e da importância dos direitos de propriedade industrial que se observa neste novo cenário que a Internet configurou. A dispersão da exposição mercadológica e comercial, ou seja, das formas de difusão da moda, acarreta o crescimento exponencial das possibilidades de imitação, o acesso fácil e generalizado às características das novas criações e facilita a violação destas e de todos os tipos de abuso e concorrência desleal. Portanto, a necessidade da proteção conferida pela propriedade industrial é mais relevante do que nunca nessa situação.

A propriedade industrial é o meio de proteção por excelência da criatividade e da dedicação comercial. Ou seja, é a barreira mais básica e oferece os meios mais específicos para proteger o comércio e o empreendedorismo justo contra o aproveitamento de oportunistas. A proteção dos sinais que distinguem um comerciante de outro, a proteção de designs originais, a proteção de modelos inovadores que proporcionam funcionalidades acrescidas, é hoje mais necessária do que nunca diante da proliferação de cópias e imitações que conta com meios técnicos nunca vistos antes. Hoje, a tarefa dos advogados da propriedade industrial não pode se limitar a oferecer políticas de defesa que garantam a proteção tradicional dos direitos das empresas, mas deve ter um papel ativo, proporcionando aos consumidores os instrumentos necessários que sejam capazes de distinguir entre produtos originais e falsificados.

Proteger uma marca hoje significa protegê-la na Internet em primeiro lugar. Porque a Internet é o canal de vendas com maior crescimento do mundo e a fonte de informação mais rápida, difundida e eficiente. Além disso, a Internet é um canal que permite que falsificadores e criminosos atuem em larga escala, investindo pouco e permanecendo anônimos. O dano que a falsificação online causa às empresas, tanto em termos de reputação quanto de perda de receita, é enorme e crescente. Hoje, todas as grandes empresas sentem a necessidade de se proteger contra a falsificação e violação online e todos os riscos que isso acarreta. Proteger-se significa economizar muito. Proteger-se com meios eficientes e flexíveis significa economizar ainda mais.

Os perigos aos quais as empresas estão expostas na Internet são diferentes uns dos outros. Para citar alguns: cybersquatting, typosquatting, phishing, sites fraudulentos, produtos falsificados, afiliação falsa, violações de SEO, pirataria digital, danos à reputação, concorrência desleal na web. Nesse cenário, as leis e os métodos tradicionais de proteção jurídica (cartas de pedido às partes contrárias, oposições administrativas, ações judiciais e outras ações judiciais) nem sempre são suficientes e eficazes para defender os direitos da propriedade industrial na atualidade e, particularmente, no mundo online.

Levando em conta essas limitações, foram criados novos instrumentos e serviços que vão além das tradicionais ações judiciais de defesa, que utilizam novas tecnologias de informação que oferecem auxílio complementar altamente eficaz para os advogados na proteção de marcas e produtos na Internet. São especificamente os serviços de pesquisa e monitoramento que identificam automaticamente todos os tipos de problemas na rede. A evolução de novas ameaças favorecidas pela proliferação de novas tecnologias e práticas criminosas cada vez mais engenhosas no mundo online é acompanhada de perto. São serviços cujo objetivo é o combate efetivo contra a falsificação e as infrações online em todas as suas formas. Graças à melhor tecnologia especializada no cenário internacional, nomes de domínio ilegais, páginas de comércio eletrônico não autorizadas, produtos falsificados, fraude de marca registrada, violações de direitos autorais, atos de concorrência desleal, danos à reputação online são identificados e podem ser tomadas medidas imediatas para eliminar ou reduzir os problemas detectados. Soluções avançadas também são oferecidas na área de marketing digital, bem como em atividades online de promoção de marcas e produtos.

Unsatisfashion: Sabemos que as empresas de fast-fashion usam ideias de terceiros para criar suas coleções. O mesmo podemos dizer em relação ao uso de elementos de tradições protegidas. O que podemos falar sobre isso?

Eleonora Carrillo: O acesso direto a instrumentos de marketing e publicidade massivos e a exposição generalizada de catálogos de produtos e inovação ao público, também implicou numa enorme facilitação e crescimento exponencial de comportamentos comerciais desleais: atos de imitação e produção parasitária na exploração de fama, prestígio, reputação e inovações que tanto trabalho, esforço econômico e perseverança exigiram para manter uma boa posição no mercado.

O setor da moda, nem é preciso dizer, é um dos mais sensíveis a esses atos de imitação ou falsificação. Atualmente, prevalece a concorrência desleal, como nenhuma outra, com o setor da moda. O fenômeno dos manteros (1- nota do tradutor no rodapé), a venda internacional de falsificações online, em suma, o uso ilícito de marcas e designs estrangeiros têm as principais vítimas dos produtores de roupas e acessórios. Por isso cresceu a importância da propriedade industrial, como meio básico de defesa do esforço e da reputação empresarial, garantindo a qualidade da produção e da inovação e da criatividade, principalmente em relação ao este setor comercial, na atual situação de mercado assolado pela falsificação e pela imitação desleal. Por outro lado, o ataque ao esforço, reputação e inovação da marca de moda não ocorre apenas por meio de operadores de mercado clandestinos ou praticamente instalados fora da lei, mas também, como é óbvio, em atos de imitação ou plágio mais sutil entre os próprios criadores, como fica evidente nas influências relatadas de criadores exclusivos, líderes da moda internacional, em, por exemplo, grandes cadeias de distribuição.

A proteção oferecida pela propriedade industrial é juridicamente eficaz contra atos de falsificação flagrante porque a delimitação clara de certos direitos como uso exclusivo de seu titular permite que o uso ilegal dos mesmos seja facilmente identificado e oferece um quadro jurídico seguro para a repressão ou prevenção de comportamento injusto. (Outra coisa é que na prática essa eficácia se perde devido à falta de recursos e meios de controle que permitam a aplicação dessa legalidade).

No entanto, a imitação sutil visa precisamente contornar a proteção conferida pelos direitos de propriedade industrial. A moda, como já comentamos, move-se cada vez mais rapidamente e as temporadas expiram rapidamente enquanto a propriedade industrial se destina a uma proteção mais duradoura desses direitos. Tendo isso em mente, e também que a proteção abrangente de todos os desenhos não é possível em todo o mundo porque seria muito onerosa, normalmente as empresas devem selecionar direitos e áreas territoriais específicos para aplicar essa proteção mais eficaz a eles. Portanto, considerando a natureza um tanto efêmera dos produtos que são objeto de proteção e a vulnerabilidade que apresentam a ataques não tão flagrantes, na forma de imitações sutis, a defesa pela propriedade industrial pode ser muito cara e rígida. Nesse sentido, ações judiciais podem ser instrumentos ineficazes contra casos de imitações por empresas de fast-fashion.

Uma alternativa a estes, que pode ser utilizada contra a cópia flagrante nos casos em que não foram utilizados os instrumentos contundentes da Lei da Propriedade Industrial, é a Lei da Propriedade Intelectual. Este último, em particular, pode ser o mecanismo mais adequado também no caso de uso de elementos de tradições protegidas. Por outro lado, a proteção conferida pela Lei da Concorrência Desleal ou mesmo pela Lei da Propriedade Intelectual pode ser mais adequada para essa sutil imitação, mas, ao contrário, o objeto da proteção é mais difuso e ambíguo, o que o torna sujeito a uma influência. da subjetividade muito mais intensa conferida pelos direitos protegidos pela Propriedade Industrial.

Unsatisfashion: Por fim, para o direito, o que é originalidade e se isso importa do ponto de vista da proteção ou do direito privado? Há como verificar isso?

A originalidade, do ponto de vista da propriedade industrial, adquire nuances diferentes dependendo do tipo de direito em questão. Em relação às marcas, a lei não exige que sejam originais, mas adequadas para terem sinais diferenciados, ou seja, que possuam a capacidade de distinguir os produtos/serviços de uma empresa dos de outra, identificando a origem do seu negócio perante o público consumidor. A originalidade de uma marca só terá relevância para a propriedade industrial na medida em que possa atribuir capacidade diferenciada à marca e garantir que ela não se confunda com outras marcas de terceiros.

No que diz respeito aos desenhos industriais, os requisitos legais que devem ser cumpridos são os de novidade e exclusividade. A novidade existe quando nenhum desenho idêntico ao que será protegido foi tornado público, e seu caráter singular produz uma impressão geral diferente de qualquer outro desenho para o usuário informado (o usuário que presta atenção especial a produtos, devido à sua experiência e conhecimento do setor de mercado em questão). Nesse sentido, a originalidade de um desenho será importante para a propriedade industrial se implicar sua novidade e, em particular, sua singularidade, produzindo no usuário informado uma impressão geral diferente daquela produzida por qualquer outro desenho anteriormente divulgado.

Nota do tradutor

(1) Na Espanha os manteros são os vendedores que colocam seus produtos nas calçadas sobre uma toalha, ou seja, manta. Muitas vezes esses produtos são ilegais e falsificações de marcas famosas. Entre os produtos mais comuns estão as bolsas, os óculos, relógios e tênis.

Tradução: M. García López

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