Se você tem um interesse mínimo por moda, já observou nos últimos anos o crescimento do mercado de segunda mão de roupas e acessórios, independentemente do segmento. Aliás, existem "segmentos" no mercado de segunda mão, ou meu negócio pode ter de tudo um pouco? O que temos visto, é que este mercado está se especializando demais, e que sim, cada segmento representa um processo de aquisição-venda dos produtos. E é necessário entender de forma bem clara as diferenças.
Enquanto em inglês é bem fácil diferenciar as "categorias" desse universo, em português fica um pouco mais difícil, já que quase tudo vai parar nos termos “brechó” ou “brechó de luxo”, para diferenciar o perfil de produto à venda. Então, vamos começar pelo começo, que é entendendo como poderíamos trazer uma classificação mais detalhada para esse tipo de negócio.
As categorias dos negócios de segunda-mão
O mais tradicional historicamente falando, é o que em inglês se chama second-hand, ou seja, segunda mão. São roupas de todo o tipo, que foram usadas e descartadas e, por diferentes caminhos, chegam nas mãos dos lojistas. Não existe nenhuma seleção ou curadoria específica, as roupas apenas são colocadas à venda por valores competitivos. Como clientes, o grande foco é quem gosta de criar um estilo único, quem se preocupa com sustentabilidade ou até quem quer pagar menos e levar peças de mais qualidade.
O segundo mais comum, mas que muitas vezes parece até o principal, é aquele que tem caráter de caridade e é muitas vezes chamado de bazar. Roupas doadas "para ajudar", são vendidas para gerar algum dinheiro para alguma causa específica. Em alguns países esse processo está super institucionalizado pelo terceiro setor ou até por entidades religiosas. Normalmente a clientela chega lá pelo preço.
Depois surgem os chamados segunda-mão de luxo. O objetivo é a revenda de produtos caros, e seu funcionamento é todo organizado como um negócio de oportunidade. O cliente pode ser de todo tipo, mas em geral é aquela pessoa ou que busca uma peça icônica ou quer ter produtos de luxo a preços mais econômicos.
Finalmente, o modelo mais valorizado pela moda, é o vintage. É um lugar que tem um conceito e a seleção de peças se alinha: pode ser mais de estilo, mais de luxo, ou mais "cool" e jovem, mas a ideia é vender moda, vender estilo. Teoricamente, o cliente busca uma identidade única e até não se importa de pagar mais por isso.
Diferenciar a categoria do negócio é fundamental para compreender como a moda de segunda mão funciona, pois, diferentemente de outros negócios de moda, não existe por trás uma indústria fornecedora que "tira pedido". A forma de descarte e aquisição da mercadoria, influencia diretamente no negócio, no valor simbólico dos produtos e sua precificação e claro, na estratégia de marketing e comunicação que deve ser adotada.
Roupas de segunda mão: uma mudança radical em todo o sistema da moda
Desde que a Revolução Industrial mudou definitivamente o processo de produção e circulação de mercadorias e, mais ainda, depois dos anos 1980, quando a moda se popularizou, o sistema da moda criou uma lógica muito clara: com base na morte das tendências, são criados, produzidos, vendidos e depois descartados produtos continuamente.
Com isso, existia uma via de mão única e pouca gente se preocupava com o que acontecia depois do descarte. Na maioria das vezes, o único fornecedor de roupas era o sistema industrial organizado e o consumidor apenas comprava, usava e descartava. A partir do momento que a roupa usada começa a crescer como negócio, vemos que o consumidor também se torna um fornecedor e, não só isso, é ele que determina como e quando ele oferecerá seus produtos ao mercado. Por essa razão, no alto mercado de peças de moda valorizadas, muitas vezes a espera por itens raros é enorme e seu preço pode estar nas alturas ...
Mas esse é um pequeníssimo segmento, um verdadeiro nicho dentro do grande negócio global que é o comércio de roupas usadas. E sabe por que? Porque quanto mais cresce o fast-fashion, mais o descarte aumenta e mais a roupa usada vira "mercadoria nova".
O mercado global de roupas usadas
Em um estudo muito recente realizado na Europa, nota-se que os dados são alarmantes. O mercado de moda de segunda mão movimentou 4.8 bilhões de dólares em 2018 contra 0.75 bilhões de dólares em 1990. Isso significa que em quase 30 anos, cresceu 5 vezes e meia.
Infelizmente, isso não ocorre porque as pessoas se tornaram mais sustentáveis. Parece ser até que é quase o oposto: o mercado cresce simplesmente porque o descarte aumenta. Simples assim.
E é exatamente por isso, que o mercado de roupas de segunda mão é um negócio global. A maioria do descarte de roupas do mundo é gerado pelos países do Norte Global (Estados Unidos e países europeus) e chega aos países do Sul Global (principalmente na África, Sudeste Asiático e América Latina). Esses lugares, por sua vez, recebem tamanha quantidade de roupas usadas que grande parte delas acabam indo parar nos aterros sanitários, pois claro, nem tudo o que é doado é digno de ser usado. Como essa estrutura toda funciona?
Para que as roupas descartadas atravessem fronteiras, é necessário existir uma estrutura muito bem organizada para o recolhimento dessas peças. Assim, o modo mais comum são os containers colocados em lugares de grande circulação de pessoas, como supermercados, praças, frentes de escolas etc., para que a população lá deposite as roupas que não quer mais usar. Depois disso, normalmente são empresas privadas que têm parcerias com o governo local que fazem o recolhimento e levam as roupas para grandes depósitos antes de serem vendidas “em fardos”. É um processo que possui algumas fases, sendo a primeira a triagem das peças para que seja possível encontrar “joias”, ou seja, peças que podem ter valor de mercado. Depois, disso, as peças são classificadas de acordo com suas qualidades materiais (condições, marcas, qualidade etc.) e então separadas por tipo de peça: jeans, camisetas, vestidos e assim por diante. Então, no fim de tudo, haverá categorias qualitativas, por exemplo A, B e C separadas por tipo de produto. Essas peças são empacotadas em fardos de pesos variados (normalmente a partir de 5 quilos) e vendidas por peso de acordo com a qualidade do produto. Grandes navios levam esses fardos para lugares muito distantes de onde essas mercadorias foram descartadas. Ao chegar no seu destino, por exemplo em Gana, já existe uma outra estrutura montada para vender esses fardos aos comerciantes locais que por sua vez vendem essas peças aos consumidores finais. O que chega com qualidade ruim, vai para os aterros sanitários, de forma legal ou ilegal. Depende de cada lugar e de seus controles.
O luxo das roupas usadas
E claro, é possível encontrar algumas joias entre os descartes e elas vão para outros destinos e modelos de negócio até que chegue ao consumidor. E, diferentemente de todo esse processo, já existem empresas também que operam apenas com produtos de luxo e claro, não contam com o descarte aleatório como fornecedores, mas sobretudo com a ação consciente do consumidor que é também um vendedor. Talvez uma das principais empresas nesse ramo do mundo seja a francesa Vestiare Collective, que é uma plataforma de venda, que dá garantia de autenticidade aos produtos que lá circulam. A base de seu sucesso, segundo especialistas, está na garantia, na digitalização e na logística, mas claro, na transação que se realiza: os vendedores são aquelas pessoas que querem recuperar um pouco do dinheiro investido na peça, mas em geral não são compradores de itens de segunda mão. Os compradores, por sua vez, muitas vezes não podem pagar por aqueles itens novos, mas ao mesmo tempo se conectam com a marca, garantindo os compradores do futuro, já que muitos deles são mais jovens.
Porém, segundo especialistas, o que é importante nesse mercado de luxo, não é tanto essa "acessibilidade" que ele proporciona, ou mesmo a conexão com a gerações futuras. É que ele coloca os produtos de moda de alta qualidade em um outro padrão de valor: peças raras ou icônicas, se tornam tão escassas e desejadas que seu valor cresce a cada dia. E isso, como sabemos, gera um novo mercado simbólico para a moda.
Vintage e curadoria de moda
Imagine então, visitar no ambiente digital ou físico, uma loja que só venda joias raras da indústria da moda. Coleções passadas de Chanel, Versace, Dior ou acessórios dessas e de outras marcas, ao seu dispor. Quase ninguém poderá tê-las. Peças que colocadas em contexto, não "estão tendência", mas "são tendência." porque são trazidas diretamente do passado não para o presente, mas para o futuro. Stylists, editores, produtores e criadores de moda resgatam essas peças e as apresentam de uma forma que é como se elas tivessem "saindo do forno" agora, com uma assinatura imbatível: o tempo passado.
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