Enquanto algumas práticas da moda ainda resistem diante de algumas mudanças sociais, das digitais não há como ela ficar de fora. Roupas digitais, avatares com roupas grifadas, modelos que só existem em fotos e vídeos, além de peças e itens online de marcas de luxo vendidos por milhares de dólares: tudo isso faz parte do metaverso, próxima grande aposta da tecnologia.
As discussões sobre o que seria esse novo ambiente digital e como as empresas podem entrar nesse espaço são infinitas. Mark Zuckerberg anunciou o rebranding de sua empresa que detém nomes como WhatsApp, Instagram e Facebook para mostrar sua grande investida no metaverso. Não mais ‘Facebook’, agora seu império tem o nome de ‘Meta’. A Microsoft também já correu para anunciar que a partir do ano que vem vai adicionar elementos do metaverso em seus produtos, e até a gigante brasileira MagaLu, da visionária Luiza Trajano, vai começar a investir no universo de games.
Se todos os mercados estão focados em entender esse novo ambiente, a moda não ficou de fora. Enquanto as mudanças digitais acontecem, o mercado de luxo ainda se mostra tímido diante delas, mas ele é um dos players importantes nesse mercado que vai transformar peças de luxo em 3D, desfiles em eventos digitais interativos e personagens em ícones fashion.
Mas o que é o metaverso?
Metaverso “nada mais” é do que um ambiente digital onde as pessoas poderão interagir por meio de avatares. Nele, será possível realizar atividades rotineiras como trabalhar, estudar, fazer compras e conversar com seus amigos. Porém, ele vai muito além de um mundo virtual ou de um universo de games, e é como uma realidade aumentada, expandida, que amplificará a experiência ao vivo ao mesmo tempo no qual permitirá interagir de maneiras diferenciadas. É a "gameficação" da vida e os especialistas indicam como sendo o futuro da internet.
Ainda nesse ambiente, outro elemento que ganha destaque são os NFTs, sigla para non-fungible token, ou tokens não-fungíveis. Os NFTs são criptoativos colecionáveis exclusivos, que podem representar qualquer tipo de item. Ou seja, um artista, designer, uma personalidade da mídia ou qualquer outra pessoa pode criar um elemento (uma obra de arte, uma foto, um vídeo ou até um design) que será vendido exclusivamente nesse ambiente digital, que garante a originalidade e autenticidade desse material online. Enquanto na internet um item pode ser replicado milhares de vezes, nesse universo a criptografia garante que um comprador é detentor da versão verdadeira e original.
O designer digital Mike Winkelmann, que atende pelo pseudônimo Beeple, é um dos grandes nomes da 'criptoarte', e já chegou a vender uma obra com uma crítica ao ex-presidente Donald Trump por 6 milhões de dólares. Indo mais longe, outra grande compra desse mercado foi “o primeiro tweet da história”, que nada mais é do que um tweet do CEO do Twitter escrito “apenas configurando meu twitter”. Melhor dizendo: absolutamente tudo pode se tornar propriedade de alguém por meio da criptografia do metaverso.
Os NFTs são produzidos através de blockchains, e cada blockchain tem seu padrão exclusivo de tokens não-fungíveis. Além disso, são protegidos por criptografia, o que os tornam incopiáveis e de propriedade exclusiva do portador. Quer entender mais sobre como funcionam os blockchains e como ela pode se inserir na moda? Descubra na terceira edição da Unsatisfashion, revista online gratuita da Fashion For Future que tem como tema central a tecnologia na moda.
Como a moda pode hackear esse ambiente?
O guarda roupa virtual já não é totalmente novidade: Gucci, Balenciaga, Louis Vuitton, Tommy Hilfiger, Nike, e muitas outras marcas já podem ser encontradas em 'skins' de jogos online. Roblox, Free Fire e Fortnite são os jogos mais populares e onde os jogadores podem comprar roupas para seus avatares de suas grifes favoritas. Apesar de muitos acharem “besteira”, um relatório realizado pelo banco Morgan Stanley mostra que 1 a cada 4 jogadores do Roblox, um dos 6 games mais jogados do mundo, mudam seus avatares diariamente. “Imagem é tudo nas experiências virtuais”, alega um dos analistas. Tem muita gente que investe pesado na aparência de seus personagens.
Um bom exemplo é a bolsa versão digital da Dionysus, da Gucci, que foi vendida no jogo por 4100 dólares, quase 1000 dólares a mais que uma versão material da bolsa. A Balenciaga também já produziu roupas para o ambiente digital, mas custavam aproximadamente oito dólares. No SPFW N51, última edição da maior semana de moda da América Latina, o jogo Free Fire invadiu a passarela com um desfile inspirado nas roupas dos personagens do jogo, e foi um dos grandes destaques do evento.
O mesmo relatório do Morgan Stanley também prevê que a demanda por marcas de luxo no metaverso chegará a valer 50 milhões de dólares ate 2030, e que o valor de mercado das NFTs de luxo devem chegar a 56 bilhões até o mesmo ano. Ou seja: o investimento em médio prazo da moda no ambiente digital será notável e muito lucrativo.
Contudo, as negociações já estão a todo vapor: a recente venda de 9 NFTs da Dolce & Gabbana por uma quantia de 6 milhões de dólares representa o começo de um mercado que a grife italiana pretende continuar investindo. A “Collezione Genesi”, como foi apelidada no ambiente cripto de D&G, contou com versões digitais de peças apresentadas no desfile de Alta Moda, além de looks exclusivos, como uma tiara cravejada de pedras que os designers definiram como “não existentes no planeta Terra”. Os compradores incluíram 2 dos maiores colecionadores de NFT, uma empresa focada em cripto-comércio, e uma DAO, sigla que representa uma organização autônoma descentralizada formada na comunidade de criptografia para investir em moda digital. Além dos itens digitais exclusivos, eles terão acesso a eventos exclusivos proporcionados por Domenico Dolce e Stefano Gabbana e farão parte do escalão VIP no mailing da casa.
Além de serem colecionáveis e exclusivos, os jogos e NFTs permitem que as marcas de luxo monetizem sua vasta propriedade intelectual. O mundo virtual é extremamente lucrativo, uma vez que os custos de produção podem ser baixíssimos e os de distribuição são quase nulos - em números de comparação, a plataforma de venda de NFTs OpenSea retém cerca de 2,5% do valor do produto, enquanto pontos de venda como Farfetch, Alibaba e outros ficam entre 15% e 40%. Os contratos inteligentes desse ambiente também permitem que o criador do token não-fungível fique com uma porcentagem cada vez que o produto é vendido, ou seja, o cripto mercado se mostra extremamente atraente.
Nem Kate Moss escapou do ambiente virtual: em abril de 2021 a modelo produziu 3 vídeos NFTs dela fazendo coisas banais, como acordando e caminhando, que foram vendidos por uma média de 15 mil dólares cada um. Kendall Jenner também se transformou em avatar para a última campanha da Burberry, e as modelos virtuais como Miquela, que já fez parcerias com Prada, Off White e virou até It Girl da Vogue, estão se tornando cada vez mais populares.
Na cena internacional, o grupo Kering é o pioneiro no metaverso. Já no Brasil, o grupo SOMA criou o ambiente virtual “FARM na nuvem”, onde o cliente pode passear pela loja, escolher seus produtos e comprá-los, tudo sem sair de casa. As possibilidades no metaverso são infinitas.
A Brasil Immersive Fashion Week, idealizada por Olivia Melquior, também expõe, incentiva e valoriza as inovações digitais na cena fashion. O desfile de Lucas Leão, estilista carioca, proporcionou um filtro do Snapchat que interagia diretamente com as roupas, os modelos e com a cenografia, maximizando a experiência do desfile. Na BRFW, cada marca pode criar seu próprio ambiente digital, que envolve interação, tecnologia, realidades expandidas e muita moda.
Enquanto grifar personagens é a nova febre, você também pode se grifar com um pézinho nos dois mundos. Lucas Leão foi o primeiro estilista brasileiro a lançar roupas 100% virtuais vendidas pelo e-commerce do Shop2gether. Depois de efetuar a compra, você envia uma foto onde gostaria de utilizar a peça e em até uma semana a montagem estaria pronta. Os preços? De 120 a 150 reais.
As possibilidades são diversas, e a moda tem tudo para abusar da criatividade nesse universo futurístico e tecnológico. Para criadores e consumidores, esse ambiente hoje representa um investimento, e é o luxo de uma forma muito mais exclusiva.
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