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Design, artesanato e apropriação cultural


Peças que foram acusadas de apropriação cultural (Zara e Anthropologie). Fonte: The Guardian, 2021


A expressão "apropriação cultural" tem aparecido cada vez mais nas notícias sobre a indústria da moda para denunciar marcas (geralmente globais) e designers (muitas vezes grandes) que "se inspiram" em diferentes culturas do mundo para criar coleções que geram muito dinheiro sem "dar nada em troca." Certamente grande parte dessas denúncias decorrem do modus-operandi do sistema da moda baseado em coleções "inspiradas em", porém, também é bem verdade que parte disso poderia ser evitado se nos dedicássemos um pouco mais à formação para a ética no design e porque não dizer, nos negócios da moda.


Vamos aos nomes? Marc Jacobs 2017, Gucci 2018, Victoria's Secrets 2010, Burberry 2019, Commes des Garçons 2020, Carolina Herrera 2019, além de, obviamente, as redes de fast-fashion globais, têm sido constantemente acusadas de se apropriar e até mesmo de fazer mau uso de elementos culturais alheios à sua história. Tudo se transforma em tendência em um processo que tem uma lógica industrial e depredadora: imagens e "curiosidades culturais" incitam a busca de novos elementos de inspiração que, quase sempre, acabam caindo em referências que ficam baratas porque achamos que não precisamos pagar nada a ninguém: fotos de viagens, livros de história, visitas a museus, repertórios artísticos e ornamentais são fontes quase inesgotáveis de ideias que, aparentemente, "não têm dono." Será?


No fundo da questão da apropriação cultural dentro da lógica da indústria da moda, então, encontra-se as famosas palavra inspiração ou referência que são um verdadeiro vale-tudo. Dentro dessa perspectiva, a apropriação e uso são livres de qualquer ônus ou reconhecimento, para ser explorado e descontextualizado até o seu esgotamento. Não são tantos os que reconhecem os efeitos nocivos dessas práticas e as perpetuam, inclusive, dentro de escolas de moda. Muitas vezes fomos ensinadas a "pesquisar" (palavra mais do que gasta pelo Google) e "adaptar" sem pensar demais sobre o que realmente isso significa...


Desequilíbrio da balança: entendendo o problema


Imagine você que sua empresa gostou muito de uma estampa, ou logotipo ou mesmo uma bolsa produzida pela Chanel, Armani ou qualquer outra marca "com advogados bons." Se você decidir copiar esses produtos e, pior ainda, se fazer passar por eles mesmos (os originais), é possível que você ou sua empresa sejam processados, tenham que tirar os produtos do mercado e ainda estejam sujeitos a pagar uma indenização gigante.



Fotografias como esta são muito usadas em moodboards como fontes de inspiração e acabam tornando-se exemplos claros de apropriação cultural. Fonte: Unsplash


Imagine agora, então, que você olhou alguns livros com bordados ucranianos, ou gostou das estampas dos tecidos africanos ou definitivamente está apaixonada pelas joias turcas. Você poderia criar uma coleção inteirinha fazendo um ctrlC + ctrV dessas referências, simplificando suas elaborações, barateando seus custos, eliminando seus significados, omitindo a autoria e .... será que seus advogados viriam cobrar algo de você ou da sua empresa? Essa reflexão nos veio à mente depois de uma conversa muito interessante com a crítica e curadora de design e artesanato, Adélia Borges, que é uma das palestrantes de nosso curso Moda + Artesanato. Pois bem. De forma bem simplificada, esses casos hipotéticos nos ajudam a pensar que existe um desequilíbrio de forças. Por um lado, temos empresas enfrentando empresas e, por outro, temos culturas enfrentando empresas. Além de ser bem mais difícil provar qualquer propriedade ou direito sobre as criações, é oneroso e complexo lutar por elas. Pode caber a nós mesmos, profissionais da moda, evitar esse dissabor pra tanta gente.


Ainda bem que, hoje em dia, graças às redes sociais e aos próprios coletivos e entidades que cuidam do patrimônio cultural em muitas regiões do planeta, é possível denunciar e exigir retratações econômicas e sociais. Mas claro, o ideal, é que não tenhamos esse tipo de problema que pode ser evitado com boas práticas dentro do projeto e, também, na alçada de negócios e comunicação das empresas. Por isso, é fundamental a informação ... e nós estamos aqui pra isso.


Projetos de moda anti-apropriação cultural


Não é proibido fazer referências nas coleções de moda a culturas que estão alheias a essa lógica industrial, como esse caso que imaginamos. Porém, é necessário saber que é preciso ter autorização e pagar por essas imagens e ideias, assim como devemos pagar à Adidas e ter sua autorização se usarmos seu logotipo em uma camiseta. Então, ponto número 1: dar retribuição econômica e reconhecimento autoral a quem é o verdadeiro criador que "nos inspira" em nossas coleções.



Exemplo de projetos em colaboração com a marca Catarinamina.

Se tudo estiver indo às mil maravilhas e adquirirmos o direito de trabalhar com essas referências pedindo e recebendo autorização de seus proprietários, poderemos definir os limites e usos das ideias e saberes que estamos incorporando à nossa marca de moda e, claro, deveremos estabelecer um modo de trabalho que respeite as diferentes participações nas etapas. Isso é um assunto delicado, que faz parte do nosso curso Moda + Artesanato e que está nas mãos da antropóloga Helena Kussik, que tratará do tópico A dimensão humana do trabalho artesanal. Porém, se nossa marca não consegue - ou não quer - trabalhar em parcerias ou remunerar e reconhecer adequadamente a origem das ideias que gostaria de usar, o jeito é simplesmente mudar o rumo e rever a tal da inspiração. Um bom projeto de moda permitirá que se encontrem outras alternativas que não desemboquem na exploração desigual e no desgaste de um patrimônio cultural que muitas vezes é fonte de renda e de sentido de vida para tantas e tantas culturas. Vamos exemplificar: Imagine que você fez uma viagem ao México, comprou livros sobre os bordados mexicanos e decidiu aplicá-los nos seus vestidos sem remunerar ou reconhecer a fonte das ideias. Claro que, no fim, isso tudo será produzido em grandes quantidades, será simplificado, barateado, a qualidade se perderá e o produto se divulgará até a exaustão. Muito bem, seu cliente pagará dez dólares por uma blusa bordada a máquina, com umas cores aleatórias e motivos dispersos, mas que combinam com o resto da coleção. Será que ... quando seu cliente vir blusas bordadas a mão no México, que podem custar dez vezes mais que isso, concordará pagar o que valem ou dirá: - - eu tenho uma igual e paguei bem menos por ela?


O Sistema da Moda pode até achar que isso não é problema dele ou de seus inúmeros agentes. Mas, numa época em que a reputação da marca é fundamental para a sua sobrevivência, pode ser um mau negócio não preparar a equipe de design e comunicação para respeitar os limites do uso de imagens e ideias de terceiros, sobretudo diante da possibilidade da desmoralização social que decorre da apropriação cultural.


Como se preparar para não apropriar?


O que vemos atualmente é um grande desconhecimento do que é ou não é considerado apropriação cultural, porque esse tipo de argumento e questão não fez parte da formação de base dos adultos de hoje, pessoas que muitas vezes são as que têm o poder de decisão dentro das empresas. Assim, o primeiro passo é atualizar as referências e conceitos éticos que rondam a criação e desenvolvimento de produtos, para que essa seja uma prática colocada em desuso.



Dia 7 de setembro de 2022, das 10h00 às 11h30 vai acontecer um workshop direto de Milão pensado para profissionais da moda que querem repensar a apropriação cultural, tirando-a de suas práticas de trabalho. Inscreva-se clicando aqui.


Em segundo lugar e, claro, muito importante, é desenvolver metodologias de criação que não conduzam empresas e designers a esse erro. Essas metodologias revisam a ideia de "referência e pesquisa" mas, também, dos próprios modelos de produção, pois muitas vezes a apropriação é cometida quando decidimos utilizar o artesão como mão-de-obra barata. Pense nisso!


MODA + ARTESANATO: Programa de Alta Formação internacional





De setembro a dezembro/2022, vai acontecer a segunda edição do programa de Alta Formação Moda + Artesanato. Com módulos pensados para abranger os diferentes desafios do trabalho com o artesanato na moda, a participante será estimulada a desenvolver um projeto autoral para valorizar a moda do ponto de vista social e econômico.


Para saber mais, clique aqui.





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